Estamos nos preparando para os livros digitais?

A questão da migração dos livros didáticos para o meio digital, impulsionada pela chegada dos tablets e investimentos da Apple e Amazon, parece estar sendo observada apenas sob um ponto de vista. Por enquanto os debates pendem para a metodologia de transposição dos conteúdos em papel para o meio digital, o treinamento dos professores e a aceitação das famílias. A questão financeira ainda não está no centro da questão, a não ser que pese no bolso do consumidor final (pais de alunos ou governos que investem nessa tecnologia).

Temos mais questões a resolver do que apenas o pedagógico. Listarei alguns questionamentos abaixo:

  1. O maior volume de papel impresso em formato de livros no mundo é para uso pedagógico. Os ambientalistas se animaram com a notícia que cortaremos menos árvores, mas muitos se esqueceram que o papel usado no Brasil é proveniente de fontes renováveis, isso é, de área de replantio. Além disso, para produzir tablets é necessário usar elementos minerais que são extraídos de jazidas, e isso provoca mais danos ao meio ambiente do que o uso de papel proveniente de áreas de replantio.
  2. Com essa migração as gráficas ficarão ociosas. Isso significa menos empregos operacionais. Com a necessidade de produção de mídias digitais é necessário contarmos com mais profissionais capacitados em design, informática e desenho instrucional. Isso significa mais empregos especializados. A questão é: estamos capacitando o suficiente para atender a demanda?
  3. O modelo digital pressupõe que os conteúdos (livros didáticos) passam a ser globais, como qualquer solução informatizada pode ser. É claro que é necessário que tenhamos espaço para customizações e tropicalizações, como é chamada a adequação de conteúdos globais. Isso significa que teremos mais concentração da produção de conteúdos, sobrando menos espaço para que os países de 3o. mundo, com o Brasil, sejam autores. A consequência é a continuidade do modelo binomial “eu produzo inteligência, você produz meio físico e opera”. Quem ganha com isso?
  4. A questão financeira das grandes editoras mundiais está próxima de ser equacionada. Sem o custo da produção física do livro elas podem se livrar de parques gráficos e investir em computadores, que ocupam menos espaço, são mais baratos e descartáveis. A logística também é afetada, já que a tendência é que os livros deixem de circular de caminhão, trem e navio para se tornarem bites na internet. Como resolveremos esses nós? E as empresas e trabalhadores desses setores?
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A história se repete

Nosso Ministério da Educação, com sua visão controladora da educação, ainda está sentado na certeza que pode comprar tablets e usar os conteúdos produzidos para o Portal do Professor, tão usado quanto o Google+. Nosso governo ainda não percebeu que esse não é um problema da educação, e sim da economia. Vejamos:

  • O MEC é o maior comprador de livros do mundo, através do Programa Nacional do Livro Didático, mas não produz conhecimento relevante. Mesmo com suas dezenas de Universidades Públicas Federais, o maior conhecimento na área é produzido por empresas privadas ou centros de estudos na USP, que não é federal.
  • O Ministério do Trabalho possui dezenas de projetos de incentivo ao emprego, mas não investe em formação de conhecimento para a tecnologia. A produção dos tablets da Apple no Brasil é o exemplo claro: o governo se vangloria e centenas de empregos operacionais, mas não incentiva a produção do conhecimento. Quem ganha mais? O montador de peças ou o criador da inteligência?
  • O Ministério das relações Exteriores age de maneira protencionista para a indústria de automóveis estrangeira que está no Brasil, representada pelas 4 grandes (Ford, Volks, Fiat e GM), mas não estimula a proteção da inteligência nacional, principalmente ligada a educação (suspeito que eles desconfiam se temos alguma inteligência para ser protegida).

Estou percebendo que estamos de volta a década de 60, quando fomos eleitos o país da moda e recebemos indústrias de todo o mundo. Eles trouxeram a inteligência, nós entramos com os recursos naturais e a mã0-de-obra. O resultado é claro: o Brasil correndo atrás da tecnologia para se tornar um protagonista mundial de inteligência.

Vamos repetir o erro?

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Para complementar a questão, leia o artigo publicado pelo Knowledge Wharton: O caso do livro didático: Apple e outras empresas querem dar as cartas na próxima geração de publicações educativas.

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